Pavorosa aceitação do silencioso mundo... Kafka!


PEQUENA FÁBULA
Franz Kafka/ tradução de Modesto Carone

“Ah”, disse o rato, “o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra, que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro.” — “Você só precisa mudar de direção”, disse o gato e devorou-o.

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Tão vasto o mundo… muitas possibilidades de vivê-lo… mas… como vivê-lo? A resposta parece angustiante, e — talvez — inalcançável. Para Kafka, ela nem existe ou, se existe, assim como a esperança, não existe para o Homem: “há esperança, mas não para nós”.
O ratinho da fábula, portanto, é o Homem; as paredes, a Razão. Expliquemos, antes que o leitor entenda erradamente a conclusão do raciocínio já exposta. A Razão ajuda a delimitar, até um certo ponto, os nossos atos de vida; inspira confiança. Contudo a vida (eis a nossa descoberta!) já é delimitada por forças incompreensíveis. Assim, a Razão não é mais que a compreensão dessas forças (paradoxal verdade!). O ratinho parece saber a direção de seu caminho: a ratoeira (ratoeira — possível morte).
O gato é o mistério — o sem sentido, o absurdo, o inexplicável — na narrativa (para os místicos, já é um animal misterioso por natureza). Aconselha o rato a mudar de direção, sem, contudo, dar a ele a oportunidade de mudar. Talvez o rato já tivesse tido, sem saber, essa oportunidade; talvez o gato tivesse ironicamente justificado o seu conselho devorando o rato (garantindo, aliás, a sua alimentação e, estranhamente, cumprindo o seu instinto de sobrevivência). No universo kafkiano, portanto, nada é explicável; tudo é, em silêncio, imenso e assustador… Não há resposta… E nunca haverá… “O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora” (Pascal).
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Mais tarde haverá outra análise desse conto, escrita por Modesto Carone.

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