Reflexão da angústia, revelações do Nada...

Alfredo VOLPI, Marinha, c. 1941.
OCEANO NOX
Antero de Quental

Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o voo dum pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente…

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que ideia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais…

* * * * * * *
Belo, e triste, esse poema: ainda que em um tom de revolta velada, o eu lírico deseja, inquietante, compreender tudo. Para um leitor atento às intenções poéticas, a Natureza aqui reflete o olhar de quem deseja compreender. O mar não pode erguer a “trágica voz rouca” (mar não tem voz, e, não a tendo, nem pode ela ser trágica e rouca, — qualidades, aliás, humanas). Já se pode adivinhar, portanto, o dono da voz trágica. Tudo isso em um movimentar contínuo do passado: “erguia”, “passava” — movimentar na lembrança do eu lírico. E é nesse movimentar que o poeta surge pontualmente (pretérito perfeito): “sentei-me”, “interroguei”. Pura narração da imagem do tempo, que fica na memória para ser lembrada em imagem fraturada.
Os seis últimos versos irrompem no tempo. O poema deixa de ser narrativo (a predominância dos verbos no pretérito), para ser dramático (a predominância agora é dos verbos no presente: “tortura”, “gravitais”). O eu lírico não mais narra, mas revive o momento. Para reforçar a dramaticidade, palavras carregadas de angústia: “inquieto”, “tortura”. E um sussurro sonoro de /s/ repete-se neste verso, evocando a ideia de um queixume, de um triste bramido: “Mas na imensa extensão, onde se esconde/ O inconsciente imortal […]”. Queixume, bramido, tudo parece suave como o balanço das ondas. Parece… Basta ler em voz alta, porém contida nas pausas que as palavras exigem.
Há, é claro, uma compreensão difícil de compreender: o último verso é a chave de tudo, um tudo que é a revelação do nada. Um nada onde tudo é inimaginável em sua grandeza: “imensa”, “imortal”…

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