Diamante em chamas: Manuel Bandeira

O ÚLTIMO POEMA
Manuel Bandeira

Assim eu quereria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

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Muitos poetas, para tocarem a sensibilidade do leitor, exageram, enfeitando, as imagens de seus versos. Contudo a maioria nem sempre consegue alcançar o efeito desejado, pois faltam-lhe espontaneidade, simplicidade e pureza das palavras.
No poema em análise (aliás, último poema do livro Libertinagem), exprimindo o desejo de querer elaborar um “poema/ Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais […]”, Manuel Bandeira, aparentemente sem exagerar as imagens, toca a sensibilidade do leitor, realizando a intenção manifestada no tecido da linguagem. Mas “aparentemente”… Embora, à luz de uma primeira leitura, tudo pareça espontâneo, simples e puro, o poeta oculta, e bem, a complexidade que emana das imagens. Assim, o leitor atento às nuanças da poesia deve se perguntar: como os diamantes, que riscam qualquer material por terem o mais alto grau de dureza, se destroem na pureza da chama, do fogo? Como os suicidas, na loucura da paixão, se matam sem nada explicar, pois, afinal, é da natureza deles tudo explicar?
Tais perguntas, entretanto, são inúteis, ainda que revelem, pela linguagem do pensamento, sutilezas paradoxais de vida e morte. O poeta, aqui, deseja um poema de beleza simples e sincera — portanto uma beleza sem qualquer explicação racional, como as flores que lembram vida, contudo quase sem perfume, pois já em presságio de morte.

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