Procura da reflexão

Você faz parte II, de Nelson Leirner.
PROCURA DA POESIA
(Fragmento)
Carlos Drummond

[…]

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

* * * * * * *
A beleza desse fragmento de um grande poema de Carlos Drummond (“Procura da poesia”, do livro A rosa do povo) — está em o eu lírico (a voz fictícia do poeta) convidar o interessado em poesia a contemplar, refletindo(-se), o mundo misterioso das palavras, que revela mais que um simples nomear. Em poesia, logo, as palavras não têm os mesmos significados que os de um dicionário. O poeta, assim, é um mágico que tem o poder de fazer qualquer coisa (“em estado de dicionário”/ “face neutra”) transcender-se em os mais belos sentidos da vida, sentidos místicos, não muito facilmente decifráveis, embora decifrá-los seja entender toda a magia, e nada mais além importar. Mas… “Se o homem soubesse tudo não saberia mais nada”, sentencia o poeta Murilo Mendes. As palavras exigem uma decifração (“Trouxeste a chave?”), embora saibamos que elas se escondem na noite (mistério) para rolarem em um rio difícil — a travessia da leitura — e se transformarem em desprezo, pois que o Homem moderno busca resposta concretas, e não o encanto, puro e misterioso, da existência. Aprendamos, assim, a ver como se dá o espetáculo da poesia…
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Você Faz Parte II (foto de divulgação), de Nelson Leirner, pertence ao acervo MAC-USP. É curiosa esta obra de arte pois, assim como o poema de Drummond, também convida o interessado em contemplar o mundo a ser parte da contemplação, pois sem aquele que contempla tudo fica vazio. Para quem não sabe, na fechadura em que não se vê chave há um espelho que reflete aquele que contempla.

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