Sem Comentários (edição primeira) - Parte 1


CEM ANOS DE JOSUÉ DE CASTRO: O QUE MELHOROU? 
Leandro Castro

Há cem anos, na cidade de Recife, nascia Josué Apolônio de Castro. Oriundo de uma família modesta, forma-se em medicina aos 21 anos e, aos 29 anos, em filosofia. Sua inquietação humanística o lançou à procura de respostas frente ao problema da fome. 
Com suas pesquisas fisiológicas, pôde reconhecer os malefícios causados pela ausência de uma alimentação adequada, desvendando, assim, uma das perspectivas da fome, que dizia ele serem três: a biológica, a econômica e a social. 
Josué denunciou que ao imperialismo econômico interessava tratar a alimentação apenas no âmbito da distribuição e comercialização de alimentos; por esse motivo mascarava as injustas relações que estabeleciam nos países periféricos. Via ele, assim, o subdesenvolvimento como um produto direto do desenvolvimento, e não como ausência de desenvolvimento. Já em meados do século passado tinha a clareza de que, para haver desenvolvimento, teria de haver subdesenvolvimento, pois este caráter exploratório é intrínseco ao sistema capitalista vigente. 
Quanto ao fator social, vivendo em uma sociedade racionalista na qual estava inserido, os instintos primários — como o sexo e a fome — deveriam ser colocados em segundo plano, não deveriam vir à tona. Nesse sentido, a ciência tem sua parcela de culpa ao não assumir que, mesmo após tantos avanços, não conseguiu melhorar as condições de vida da humanidade. 
Entre a sua formação em medicina e a Segunda Guerra Mundial, teve vasta publicação de livros, sendo estes os mais importantes: Geografia da Fome e Geopolítica da Fome, livros publicados em 25 idiomas, que tornaram referência mundial no assunto. 
No ano do centenário de Josué de Castro, a fome continua posta como assunto do dia. Assistimos à elevação dos preços dos alimentos, à discussão frente aos prováveis problemas de abastecimento gerados pelos biocombustíveis, a programas assistencialistas passíveis de discussão. De fato, percebem-se poucas melhorias no que tange à questão. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), morrem anualmente no mundo cerca de 840 mil crianças em decorrência da inanição ou da sub-alimentação. 
O nosso eminente intelectual denunciou a fome, apontou as causas e, principalmente, as soluções. Porém nos perguntamos: o que foi feito?

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MORRE O MITO
(CONSIDERAÇÕES SOBRE MICHAEL JACKSON)
Acauam Oliveira (Do blog “Escapar fedendo”)

Morre o maior mito da história da música pop, o gênio Michael Jackson. O fim da era das grandes gravadoras tem agora seu marco.
A única necessidade imutável do mercado é a mudança contínua. Michael Jackson levou a sério o pressuposto e o conduziu a seu limite, marcando em seu próprio corpo a volubilidade do mercado pop. Dessa forma, sem se dar conta e contra sua vontade, acabou por revelar o caráter monstruoso do processo, o quanto ele carrega de negação de identidade. Pagou o preço por incorporar em si a essência do mercado, fazendo inocentemente (ele nunca cresceu de fato) o que Marlyn Manson faz de modo crítico e distanciado, e Madonna e David Bowie (nos primórdios) fizeram por meio de personagens. Michael, por ser mais talentoso, foi mais sincero e assumiu o caráter fictício do mundo pop como verdade. Ele era negro e branco, heterossexual e gay, adulto e criança, anjo e  monstro, sexy e virgem, transitando por entre todas as categorias assim como a música pop (na qual ele foi um dos maiores mestres, quase seu sinônimo) tem a vocação intrínseca de juntar todas as manifestações artísticas do planeta em uma só forma. Nesse ponto o pop faz as mesmas promessas que o capitalismo: um mundo onde todas as diferenças aparecem conciliadas por uma mão invisível, o próprio espírito absoluto. O corpo (no sentido amplo, sua “figura”) de Michael — evidência inegável — revelava o caráter deformado da utopia mercadológica, que se oculta mediante estratégicas classificatórias, como público, tribo e, no plano formal, gênero. Michael era inclassificável, um antissujeito, realização maior — e por isso mesmo, inconfessável — da sociedade de consumo. Nem como rebelde ele podia ser classificado (ou como ET), porque sua “deformidade” devia-se, em última instância, a um apego excessivo — no limite da autonegação — à norma. A estratégia midiática foi procurar associar a imagem ao imaginário, criando um monstro sem nariz ou etnia (por isso nem mesmo enquadrável em alguma minoria qualquer), comedor de criancinha.
O maior mito do mundo pop acreditou e incorporou visceralmente a própria mitologia, revelando desse modo a face negativa que o mercado, para sua própria sobrevivência, precisa esconder. Por essa razão, mais do que por qualquer outra acusação, real ou fictícia — nunca se provou nada, é sempre bom lembrar, diferente do que aconteceu com o pedófilo do Peter Touschand, muito menos importante — é que Michael foi perseguido e esculhambado, especialmente por aqueles que ajudaram a criar o mito.
Fica a música, e o talento. Esse sim, inquestionável. Que seja bem encaminhado pelos braços de Omolu, até o colo de Nanã.

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