O testemunho de um poeta em tempos sombrios (I)

Bertolt Brecht
POEMAS DE BERTOLT BRECHT
(Tradução de Paulo César de Souza)

SOBRE A ESTERILIDADE

A árvore que não dá frutos
É xingada de estéril. Quem
Examina o solo?

O galho que quebra
É xingado de podre, mas
Não havia neve sobre ele?

*******
AOS QUE VÃO NASCER 
[1]

É verdade, eu vivo em tempos negros.
Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas
Indica insensibilidade. Aquele que ri
Apenas não recebeu ainda
A terrível notícia.

Que tempos são esses, em que
Falar de árvores é quase um crime
Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades?
Aquele que atravessa a rua tranquilo
Não está mais ao alcance de seus amigos
Necessitados?

Sim, ainda ganho meu sustento
Mas acreditem: é puro acaso. Nada do que faço
Me dá direito a comer a fartar.
Por acaso fui poupado. (Se minha sorte acaba, estou perdido.)

As pessoas me dizem: Coma e beba! Alegre-se porque tem!
Mas como posso comer e beber, se
Tiro o que como ao que tem fome
E meu copo d'água falta ao que tem sede?
E no entanto eu como e bebo.

Eu bem gostaria de ser sábio.
Nos velhos livros se encontra o que é sabedoria:
Manter-se afastado da luta do mundo e a vida breve
Levar sem medo
E passar sem violência
Pagar o mal com o bem
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los
Isto é sábio.
Nada disso sei fazer:
É verdade, eu vivo em tempos negros.

* * * * * * * 
“O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera./ O tempo pobre, o poeta pobre/ fundem-se no mesmo impasse.” — a angústia de Carlos Drummond (exposta aqui nos versos de “A flor e a náusea”, do livro A rosa do povo) está em viver os tempos sombrios do século XX. Não há como o poeta deixar de ser político, nem de elucidar, em sua poética, a pobreza das leis de convivência entre os homens. Abre ele, portanto, mão da beleza — que emana da organização das puras palavras — para testemunhar a História.
Bertolt Brecht e o tempo pobre também se fundem no mesmo impasse. O poema “Sobre a esterilidade” revela, em linguagem alegórica (alegoria: dizer uma coisa referindo-se a outra), os tempos sombrios por ele vivenciados. Assim, o talento do poeta parece não sobreviver à opressão; a neve e o solo infértil (imagens da opressão) não criam condições de a árvore (cujas partes ecoam a imagem da poesia) ser frutífera (imagem da beleza). Há, porém, muitos ignorantes de toda essa realidade (no ato de xingar), que não compreendem o movimento histórico por eles vivido.
O poema “Aos que vão nascer [1]”, por sua vez, já usa de uma linguagem direta; ecoa o sentido do poema anterior. O eu lírico fala da consciência de ser quase um crime cantar um mundo belo (“Falar de árvores é quase um crime/ Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades?”). Não pode ele distanciar-se dos grandes problemas, ainda que deseje estar afastado de tudo que não inspira sabedoria.
Mas há momentos que exigem participação daqueles que têm o poder de conscientizar; momentos que obrigam o poeta a não se calar em tempos sombrios, denunciados em linguagem de não transcendência — embora linguagem desenhando, em testemunho poético-testamental para as gerações futuras, alguma esperança de união e compreensão entre os homens (“Mas vocês, quando chegar o momento/ Do homem ser parceiro do homem/ Pensem em nós/ Com simpatia.” — versos de “Aos que vão nascer” [3]).

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