Vozes sublimes da melancolia — ou interpretações grotescas da verdade…

Pintura em ânfora grega, representando Ulisses tentado pelas sereias, 490 a. C.
AS SEREIAS
Franz Kafka/ tradução de Geir Campos

São as sedutoras vozes da noite: também assim cantavam as Sereias… Não fora de justiça, para com elas, atribuir-lhes o deliberado propósito de seduzir: elas bem sabiam que possuíam garras e nenhum seio fértil, e disso lamentavam-se em altas vozes — mas não tinham culpa de soarem tão belos os lamen­tos.

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Doce veneno o canto das sereias… Assim como a noite que, mesmo assustando ao ho­mem, o fascina com sua voz (embora a noite não tenha voz, mas estrelas rebentadas em ternura), as sereias também sabiam seduzir, cantando, a quem se aventurava em azul beleza do imenso mar… A vivacidade do texto kafkiano está em rememorar o passado vivenciando o presente, em explosão de lirismo e mística tristeza…
Para quem não sabe, as sereias da Mitologia Grega (as sereias a quem se refere Kafka) eram monstros horripilantes, filhas do rio Achelous e da musa Terpsícore (musa da música, das nove do Olimpo). Possuíam garras e grandes asas (em A odisseia, epopeia que narra as aventuras e desventuras de Ulisses/ Odysseus, aventuras de que faz parte “o canto da sereias”), — embora cantassem docemente, atraindo marinheiros que se afogavam atirando-se ao mar para amá-las…
Aqui Kafka parece absolvê-las da injustiça dos homens. Para ele, elas lamentavam a falta de beleza corporal e, portanto, cantavam sem culpa de a voz ter alma transbordante de vivaz ma­gia. E o canto encanta. Assim como a poesia que, para Edgar Allan Poe, deve ter o timbre de la­mento (de melancolia) para atingir/ seduzir ao leitor, o canto — encanto — também deve ser belamente melancólico… A tristeza embeleza a alma…

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