Diário da Justiça vingativa

Um trecho de “Diário de um detento”, letra e música dos Racionais MCs:

Homem é homem
Mulher é mulher
Estuprador é diferente, né?

* * * * * * *
Eis a breve interpretação de Acauam Oliveira para o trecho exposto:

Esses versos criam uma estrutura poética de significação que, no mínimo, mataria de inveja o poeta João Cabral de Melo Neto (pelo grau de contundência). Mano Brown cria um sistema tautológico em que o Homem é plenamente coincidente consigo mesmo ─ o sujeito homem coincide com seu próprio objeto. A perfeição. Na sequência, a mulher também é perfeita em si mesma, e se estabelece a ordem básica do sistema humano: Homem ─ Mulher. A humanidade e o universo (desde a perspectiva do diário) estão perfeitamente organizados por um sistema de repetição de significantes.
E o estuprador? É o elemento que vem perturbar essa ordem cósmica que se cria. Ele não é apenas um outro, mas é a própria diferença. Estuprador é diferente. A lógica tautológica da coincidência “sujeito ─ objeto” é irremediavelmente rompido por um elemento que coincide com sua própria diferença. É simplesmente brilhante como solução poética.
Não é à toa que ele “[t]oma soco toda hora/ ajoelha e beija os pés/ e sangra até morrer na rua Dez”. Ele é o que não se pode enquadrar em nenhum sistema de ordenação racional.

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